Transformando a crise em sucesso
O panorama do empreendedorismo brasileiro e sua resiliência
Mais de 47 milhões de brasileiros adultos estão envolvidos em algum tipo de empreendimento, representando 33,4% da população e um aumento expressivo de 87,6% em relação ao período pré-pandemia. Em um cenário marcado por desafios econômicos e sociais, histórias reais de empreendedores revelam como a superação de obstáculos, revisão de estratégias e adaptação contínua são fundamentais para transformar adversidades em oportunidades de crescimento sustentável.
Da garagem ao Vale do Silício: a trajetória da GH Brandtech
Gustavo Hansel fundou a GH Brandtech, empresa de gestão de marca, tecnologia e inovação, em 2007, com investimento próximo de zero. O início foi modesto: apenas um computador comprado com seu trabalho como lavador de carros e o apoio dos pais.
"Comecei como um nerdzinho digital e percebi que havia uma oportunidade de mercado. A empresa começou a engrenar 15 meses depois desse primeiro lampejo", relembra o empreendedor.
Para Gustavo, a jornada empreendedora é um constante aprendizado através dos erros:
- "De cada 10 decisões, sete são erradas"
- "O importante é errar pequeno, errar barato e corrigir rápido"
- Esta filosofia guiou a expansão da empresa
A empresa enfrentou quase dois anos de aperto financeiro ao expandir para fora de Santa Rosa (RS), mas ganhou a resiliência necessária para dar um salto ainda maior: internacionalizar a operação com uma filial no Vale do Silício.
A aquisição da software house Nuvoni marcou um ponto de inflexão nos negócios, trazendo:
- Um novo modelo operacional
- Novos sócios
- Aprendizados em fusões e aquisições
O resultado é visível nos números: faturamento de R$ 11 milhões em 2024, projeção de R$ 15 milhões para 2025 e meta de R$ 30 milhões em 2026, impulsionado por parcerias estratégicas e produtos digitais potencializados por inteligência artificial.
Descentralização e governança: a virada da Fast Escova
Márcia Queirós, fundadora das redes Fast Escova e Fast SPA, quase viu seu sonho se desfazer devido a um erro clássico no empreendedorismo: a gestão excessivamente centralizada. Com investimento inicial de R$ 60 mil, incluindo empréstimos pessoais, ela construiu um negócio promissor que chegou a um ponto crítico pela falta de delegação.
"A virada aconteceu quando ampliamos a governança e a descentralização, o que trouxe mais agilidade e eficiência para a empresa", explica Márcia.
A decisão de compartilhar responsabilidades e implementar processos mais estruturados revolucionou o negócio, permitindo uma escalabilidade antes impensável no modelo centralizado que adotava.
Hoje, a rede contabiliza:
- 300 unidades da Fast Escova
- 15 unidades da Fast SPA em plena operação
- Projeção de crescimento de 55% para 2025
- Meta de dobrar o tamanho da companhia em dois anos
Este caso demonstra como a correção de rumo na gestão pode transformar completamente as perspectivas de um negócio.
Inovação proprietária e o desafio dos talentos na Virtueyes
A Virtueyes, comandada por Taize Wessner, nasceu como uma spin-off da distribuidora de eletrônicos da família, inicialmente focada na venda de chips. Quando herdou o negócio deficitário após a venda da empresa principal, Taize enfrentou o desafio de reverter os resultados com recursos limitados.
Um dos primeiros desafios foi reescrever a plataforma de gestão de chips, o que levou à contratação rápida de 30 profissionais. A pressa resultou em desalinhamento cultural e problemas no desenvolvimento, exigindo intervenção externa.
"Não tínhamos tempo para errar, mas acabamos aprendendo da maneira mais difícil", reconhece Taize.
O diferencial competitivo veio com:
- A outorga da Anatel para operar como MVNO (Operador Móvel Virtual)
- O desenvolvimento interno da plataforma proprietária v.eye para gestão de conectividade IoT
- A criação do próprio sistema de billing
"Isso deu maior robustez ao negócio, permitiu ampliar o portfólio, entrar em novos mercados e entregar personalização com velocidade, porque o billing em casa trouxe flexibilidade comercial", explica.
Atualmente, o maior desafio é encontrar mão de obra qualificada, levando a empresa a investir em capacitação e usar IA para qualificar leads e apoiar a equipe de vendas, mantendo um crescimento consistente acima de 20% ao ano.
Da crise à reinvenção digital: o ecossistema de crédito consignado
Gabriel Ramalho, que iniciou como vendedor ambulante, hoje lidera um ecossistema de crédito consignado que fatura R$ 12 milhões anuais. Seu portfólio inclui o Workshop Corban 360, a RK Soluções Empresariais, a Universidade Gerando Resultados e a GR Promotora.
"Tínhamos um calendário para seis eventos em 2020 e, após o primeiro, estourou a pandemia e bagunçou tudo", recorda Ramalho.
Diante da impossibilidade de realizar eventos presenciais, a solução foi:
- Migrar completamente para o modelo digital
- Transformar o formato dos treinamentos
- Criar novas ofertas online
A escuta ativa das necessidades do mercado foi crucial nesse processo: "Começamos com treinamentos de vendas. Mas, ouvindo a ponta, percebemos outras necessidades: gestão, tecnologia e contratação. Criamos mentorias e grupos de negócios, fidelizando clientes e oferecendo produtos de ticket maior."
Com a meta de dobrar o faturamento de 2025 para 2026 e expandir para corretores de consórcios e seguros, Ramalho apostou fortemente em redes sociais e IA como ferramentas centrais, demonstrando que a crise pode ser catalisadora de inovação.
Pilares do empreendedorismo resiliente: a visão do Sebrae
De acordo com Ênio Pinto, gerente de Relacionamento do Sebrae, os erros mais comuns entre empreendedores estão ligados ao excesso de confiança e à falta de planejamento estruturado.
"Acreditar que a ideia sozinha basta para dar certo é um problema. Falta planejamento, atenção ao cliente e organização financeira. Misturar vida pessoal e empresa costuma ser fatal", resume.
A correção de rota em um negócio exige:
- Disciplina para revisão de processos
- Foco no cliente
- Organização financeira rigorosa
"O empreendedor brasileiro é criativo e resiliente, mas precisa aprender a medir riscos, estabelecer metas e acompanhar resultados. Quem consegue fazer isso tem mais chances de se manter firme", afirma Ênio.
O especialista destaca que, embora ferramentas como redes sociais, IA e marketplaces sejam importantes, o verdadeiro diferencial competitivo continua sendo o olhar atento ao cliente e a disciplina na gestão.
"Começamos atendendo necessidades, evoluímos para desejos e hoje entregamos experiências. O cliente quer cada vez mais valor, e entregar isso de forma memorável é o grande desafio", pondera Ênio.
A capacidade de adaptação como diferencial competitivo
O ponto comum entre os empreendedores que conseguem transformar crises em oportunidades é sua extraordinária capacidade de adaptação. Seja através do foco em nichos específicos, disciplina financeira rigorosa, digitalização acelerada, investimento em capacitação ou incorporação de novas tecnologias, a flexibilidade para ajustar estratégias diante de cenários adversos é o que separa negócios resilientes daqueles que sucumbem às dificuldades.
As histórias de Gustavo, Márcia, Taize e Gabriel ilustram diferentes facetas dessa adaptabilidade:
- Aprender com erros pequenos e corrigi-los rapidamente
- Descentralizar a gestão para ganhar eficiência
- Desenvolver tecnologias proprietárias
- Pivotar completamente o modelo de negócios diante de uma crise global
"O empreendedor brasileiro é resiliente. Ele erra, aprende, corrige e segue em frente. É isso que diferencia quem consegue crescer no longo prazo", analisa Ênio Pinto.
Em um país onde empreender muitas vezes significa navegar por águas turbulentas e imprevisíveis, essa resiliência não é apenas um diferencial – é uma necessidade para a sobrevivência e o crescimento sustentável dos negócios que moldarão o futuro econômico do Brasil.
Fonte: Márcia Rodrigues (Fast Company Brasil) - As lições de empreendedores que transformaram crises em viradas de sucesso - 05/10/2025


